terça-feira, 23 de agosto de 2011

Nao vou sair [do pais] assim



Tenho recebido tantos e-mails de pessoas que chegam até mim através do blog que não tenho conseguido responder a todos. Por isso, sempre que eu tiver um tempinho, vou procurar escrever posts que esclareçam as dúvidas de todo mundo numa tacada só.  Eu já disse isso antes, mas na verdade, tenho feito muito menos do que eu realmente gostaria.

Muita gente me perguntou se vale a pena vir tentar a vida na Itália mesmo não tendo direito à cidadania, ou ao “permesso di soggiorno”.  Eu não sou nenhuma expert no assunto, pois vim para cá com o visto de estudo que durava um ano e, no meio tempo,  dei entrada no meu processo para obtenção da cidadania italiana (já que meu avô era italiano e eu tinha direito) e fiz tudo sozinha. Cheguei aqui preparada, com todos documentos autenticados, traduzidos e registrados em cartório. Como eu havia estudado italiano, em cada departamento público por onde eu passei, eu sabia me expressar tanto para esclarecer minhas dúvidas, quanto para falar bem alto que eu estava dando entrada em um processo ao qual eu tinha absolutamente direito e que ninguém estava me fazendo um favor, que era o trabalho deles, um direito meu e ponto final. Dito tudo isso, tudo deveria ter sido muito simples, mas não foi.

A Itália, teoricamente, é um país de primeiro mundo mas, na prática, é bem diferente. Houve muita divergência de informações, tempo perdido, burocracia e muita, mas muita ignorância. Gente mal informada, racista e preconceituosa por todos os lados. Mas nada nem ninguém ia me fazer desanimar de conquistar meus documentos e, assim, depois de um processo que durou 6 meses (e com a ajuda da minha tia italiana que me ensinou a falar mais alto, quando necessário), com muita paciência para contar a minha história de família para cada funcionário por qual eu tive que passar, eu obti o reconhecimento oficial das minhas origens. 

Nesses dois anos por aqui, eu conheci muitos brasileiros que moram na Itália, legalmente ou não, e posso dizer que para nenhum deles é/foi/será fácil. Um brasileiro que nunca saiu do país não faz ideia de quanto racismo exista na Europa. Simplesmente porque nós somos habituados a conviver com estrageiros há gerações e não nos diferenciamos tanto assim deles. Ok, países europeus como Itália, Portugal e Espanha estão sofrendo uma invasão enorme de estrangeiros ilegais e talvez isso seja realmente preocupante, mas o fato é que as pessoas já aprenderam a identificar cada um deles pela côr da pele, sotaque, modo de vestir, etc. Características insuficientes para estabelecer se uma pessoa é merecedora de respeito ou não. Enfim.

Certamente é uma das coisas que me deixam mais tristes por aqui é escutar as pessoas que julgam as outras baseando-se somente em sua origem. Existe o rótulo para os do leste europeu, para os latino-americanos, para os cineses, para os franceses, para os africanos, para os indianos, mas o mais absurdo é o preconceito entre os próprios italianos. Para mim, que venho de um estado que, só ele, já é maior que toda a Itália, e mesmo assim me reconheço/identifico/orgulho com um brasileiro que tenha nascido em qualquer lugar que ultrapasse as barreiras da minhas Minas Gerais e esteja entre o Oiapoque e o Chuí, é coisa aburda, ignorante e para gente de mente muito pequena mesmo discriminar alguém que nasceu a 20 km de você por qualquer que seja o motivo (diferença de dialeto, de vegetação ou tempero usado pela população vizinha na preparação de determinada sopa). Ah, me poupe, né? A cada 100 km existe alguma região que quer conquistar autonomia, que quer cultivar um dialeto criado somente para não ser entendido pelo vizinho, que diz não se identificar com a Itália seja pelas falcatruas cotidianas, pelo política corrupta ou pela polenta preparada mais mole ao norte do país ou mais dura ao sul. Sinceramente, quando uma região não tem problemas suficientes, precisa inventá-los. Eu odeio essa segmentação com todo o meu coraçãozinho e chego a me envergonhar dos meus 25% de italianidade nessas horas.

A verdade é essa: o processo de integração para um italiano do sul que veio viver no norte da Itália, já não é fácil, imagine para um estrangeiro. E tudo isso implica dificuldade para arranjar emprego, para fazer amizades, para convencer e conquistar pessoas em diversas situações e afeta também a auto-estima do emigrado. Se você não tem os documentos em ordem, tudo se complica ainda mais. Vai ter que se contentar com trabalhos de baixo nível (se conseguir encontrar um), sem contratos, sem estabilidade e com uma vida sem acesso à bella Italia que sempre vimos na novelas da Globo e nos filmes no cinema. 

Portanto, para você, que me perguntou se vale a pena viver na Itália sem os documentos necessários para tal, a minha resposta é absolutamente não. Reconheço as infinitas belezas, vantagens e maravilhas de viver na Itália, mas não me sinto nem um pouco confortável diante de preconceito e racismo destinados a quem quer que seja. 

7 comentários:

  1. Disse pouco mas disse tudo! A parte que eu mais gostei e me identifiquei foi: ".....A verdade é essa: o processo de integração para um italiano do sul que veio viver no norte da Itália, já não é fácil, imagine para um estrangeiro. E tudo isso implica dificuldade para arranjar emprego, para fazer amizades, para convencer e conquistar pessoas em diversas situações e afeta também a auto-estima do emigrado....." Estou aqui a 6 meses e me sinto travada, no Brasil eu fazia tudo sozinha, aqui me sinto dependente do meu marido, tudo porque ainda nao domino o italiano. Tenho o Permesso di Soggiorno por tempo indeterminado, dei entrada na carteira sanitaria e temos residencia...prossimo passo é tentar trabalhar.... Deus me ajude!
    Eu sinto preconceito quando vou nas lojas comprar alguma coisa, me olham com "cara de bunda" e nao me atendem bem...nao posso generalizar, mas a maioria é assim, é desgostoso! Qualquer dia mando a "quello paese!"...Ainda nao tenho filhos, mas me questiono de como educar os filhos no meio de tanto preconceito!
    Parabens pelo post.

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  2. Pois é, realmente esta é uma questão de grande discussão hoje em dia, sobre a Itália e os italianos.
    Não sou nenhum professor, nem tenho mestrado nem doutorado, mas na minha singela opinião isto está se desencadeando devido a grande massa de estrangeiros que chega a Itália todos os anos.
    A Itália abriu muito as "suas portas" para os estrangeiros, vejam se algum país da União Européia fez algo do gênero !??!?!!?!
    Mas uma coisa eu tenho razão e boto a "mão no fogo" para afirmar: não adianta querer morar na Itália, sem documentos(somente renovando vistos) e com um idioma italiano aprendido em 24 horas!
    Eu tenho fé e certamente irei a Itália daqui uns 02 anos, pois acredito neste sonho e se não bastasse vou preparado (aqui está o diferencial!)

    Obrigado
    Att.
    Mauricio

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  3. Cris,
    o post é de 2011 e está super atual.
    Eu acho que a burocracia espanhola é a mãe de todas as burocracia e acho que a italiana deve ser a irmã gêmea!
    E racismo é uma merda mesmo em todos os lugares.
    Você percebe as coisas diferentes agora que dois anos se passaram?
    bjo
    Sandra

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    1. Sandra, acho que o que mais mudou foi a minha postura diante de certos comentários, sabe? E sou muito grata à Italia por ter me ensinado a me impor. Passei a nao deixar ninguém sem resposta. Tenho o direito de estar onde eu bem entender! E passei a ser respeitada pelo simples fato de me fazer ouvir (e isso os italianos sabem fazer como ninguém!). Rs!
      Obrigada pelo comentario e pela visita!
      Beijos!

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  4. Amei o post.nesse momento poderia dizer muito mais me resumo em: tudo e mais do que isso é a mais pura dura e crua verdade.

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