quinta-feira, 3 de março de 2011

Ser jornalista [fora do Brasil]

Muita gente tem me escrito com dúvidas sobre como estudar na Itália, como conseguir uma bolsa de estudos, como é viver por aqui, como exercer a profissão de jornalista na Itália, etc... Então vou tentar, sempre que possível, escrever mais sobre a minha experiência. Não sou nenhuma especialista no assunto, gente, então vou expor somente o meu ponto de vista a partir de como aconteceu comigo. É lógico que cada caso é um caso e, com você pode ser tudo muito diferente do que foi comigo. Então, encaremos tudo como um simples relato. Vou começar, como vocês já leram no título, pela profissão de jornalista.


Ser jornalista quer dizer gostar de escrever, saber e escrever e, principalmente, escrever bem. Quando você decide mudar de pais, quer dizer que voce é capaz de fazer tudo isso em outra língua, além da sua, senão caberá a você, abandonar a profissão. Mesmo que você migre já contratado por algum veículo de comunicação que, nesse caso, lhe mandará como enviado especial ou correspondente internacional, você vai precisar dominar o idioma para buscar informações, entrevistar pessoas, ler outras matérias, livros e “traduzir” tudo isso, seja no idioma local ou na língua materna.

Jornalista tem que dominar línguas e não tem muito como escapar disso. Tem que correr atrás, deixar a preguiça de lado, se empenhar e não ter medo de aprender, de descobrir e de desbravar novos caminhos. Conhecimento nunca é perda de tempo e, por mais que pareça improvável, um dia sempre serve pra alguma coisa.

No meu caso, graças a uma bolsa de estudos, fiz um bom curso de italiano, durante cinco anos. Hoje eu poderia dizer que foi pesado acordar cedo todos os sábados, pegar dois ônibus, atravessar a cidade, assistir 4 horas de aula, gastar o dinheiro que eu não tinha para almoçar fora, pegar mais dois ônibus, atravessar a cidade de novo e chegar em casa tendo “perdido” metade do meu sábado, durante anos. Mas a verdade é que não foi pesado. Eu trabalhava, estudava e namorava. Tinha mil opções e convites para me divertir aos fins de semana. Mas ao invés disso, eu preferia ir a aula, e em um determinado semestre desses tantos fui a única aluna 100% presente, simplesmente porque me apaixonei pelo idioma, pela cultura italiana e queria saber me comunicar bem. (E não somente me fazer entender, pois sou daquelas que se envergonham em falar errado, e sempre busquei falar de maneira correta o português). Enfim, peguei gosto pela coisa e um pouquinho de paixão pode fazer toda a diferença.

O problema foi que, do período em que terminei o curso, até quando ganhei consegui a bolsa para fazer o mestrado em Milão, passaram-se 5 anos e confesso que meu italiano estava mais que enferrujado, mesmo buscando, sempre que possível, manter o contato com o idioma batendo papo na internet com meus amigos virtuais italianos, ouvindo músicas, assistindo filmes... Quando cheguei à Itália e fui diretamente conhecer parentes italianos e assistir as aulas do mestrado, nos primeiros dias sofri um choque: para habituar o ouvido, para pegar um pouco de fluência, para perder a timidez.... E foi preciso ler muito em italiano, ver muita TV, prestar atenção na fala dos outros, comprar muito livro, gramática, dicionário e vocabulário para conseguir escrever toda a tese em italiano, fazer provas orais.

Mesmo assim, nunca me senti capaz de exercer realmente a profissão aqui na Itália (e não entremos nem mesmo na questão racismo e preconceito europeu. Nem no quanto foi difícil e demorado arrumar emprego em meio à crise em que a Itália está). Hoje trabalho em uma agência de comunicação escrevendo muito, traduzindo e aprendendo ainda mais. Na verdade, o meu ramo nunca foi tv e radio (ainda bem, porque acho que seria ainda mais complicado exercê-lo em outra lingua, não havendo contatos e tendo sotaque estrangeiro). Mas sim comunicação empresarial, internet, jornal impresso e revista. O que quero dizer é que as diferenças podem ser inúmeras quando se trata de jornalismo fora do nosso país. Lembro-me que quando peguei o primeiro jornal no metrô de Milão, fiquei indignada e tive a sensação de que estava tudo errado na estrutura da notícia, no respeito à ética e ás leis e a tudo aquilo que aprendi na faculdade. Por exemplo, nos jornais daqui, costuma-se fazer o maior "nariz de cêra" antes de chegar realmente à informação (ou seja, enrolar, encher linguiça, uma espécie de super introdução ao assunto) e, no Brasil, aprendemos que no lead (primeiro parágrafo da notícia) deve conter todas as informações relevantes da notícia (o quê, quem, como, onde, quando e por quê) e após lê-lo, você pode decidir continuar ou não, de acordo com o seu interesse pela notícia, mas o mais importante, você já teve acesso somente pelo lead. Tudo bem, com o tempo, eu entendi que com certeza existem mil particularidades que não querem dizer exatamente que sejam erradas, mas são simplesmente diferentes em cada país e, pra entender melhor o jornalismo aqui, ou me enquadrar, talvez eu deveria ter me formado na Itália.

Outro exemplo de diferença é que no Brasil não noticiamos casos de suicídio e aqui praticamente todo dia é noticiado. Além disso, na tv, tem uma coisa que me incomoda MUITO: os jornalistas trabalham com tudo anotado em um papel amassado e abaixam a cabeça (mostrando a careca, várias vezes, por minutos intermináveis). Eu não sei porque, mas um TP deve custar muito caro na Itália, né? Sem falar que, ao menos no jornalismo televisivo brasileiro, o figurino é totalmente adequado (sem decotes, maquiagem, penteados, brilhos e acessórios exagerados). É tudo alinhado no melhor padrão-Globo-de-qualidade. Já aqui, é praticamente um desfile de moda vulgar: assusta até os mais moderninhos liberais!

Outra questão importante é que para exercer o jornalismo na Itália, você precisa fazer a prova da Ordem Nacional dos Jornalistas, que eu não tenho nem idéia de como seja, mas somente através dela você terá o seu registro profissional.

Bom, espero ter esclarecido algumas dúvidas, mas não se baseie somente no que você leu aqui. Pesquise, informe-se, consulte outras fontes e entre em contato também com outras pessoas. Um bom jornalista nunca consulta somente uma fonte! ;-)

8 comentários:

  1. Ótimo post, Cris! Parabéns! (Ah, é Maíra!)

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  2. Muito bom!! Olhe, li minha história quando você falou do curso de italiano e que tinha enferrujado com o passar dos anos. Eu fiz quatro anos de curso. Falava feito tagarela. Hoje, perdi mais da metade da minha capacidade de falar na língua. Mas já decidi. Esse ano, voltou a estudar pra valer. Um dia sonhei em morar na Itália, fazer mestrado. Ainda não desisti, mas confesso que está mais difícil pelo rumo que a minha vida tomou.
    Quanto ao jornalismo, a mais pura verdade! Dei risadas aqui da história do TP, do nariz de cera e da breguice do povo. Bem, aqui a mulherada tb exagera às vezes.
    Beijos

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  3. Oi linda! Não podia deixar de passar por aqui e te desejar um feliz anoversário!
    Adoro seu blog!
    xero.

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  4. Parabéns Cristina, eu sempre soube dessa sua perseverança com o idioma italiano, estava no sangue!!!

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  5. Oi Cris, bom saber que tem mais uma brasileira bacana na área. Somos muitos nessa Milão! Precisamos nos conhecer. Vi que você passou lá pelo meu Disegno à Milanesa. Aproveito e convido também seus leitores a conhecerem meu blog. Vamos combinar um café? Beijo!

    www.disegnoamilanesa.blogspot.com

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  6. Oi Cris.Muito bom esse post. Tb estou na Italia.Estou na fase de aprimoramento da lingua pra tentar fazer um Master por ak. Adorei seu comentario sobre os reporteres daqui..sempre fico com Odiooo disso..d falta de postura frente a camera..a falta de padrao de comportamento..de roupas..e a leitura do papelzinho ao vivo entao nem se fala..concordo com vc qnto aos padroes globo de qualidade..tb sinto falta,rs. Tb tenho um blog, me visite! Bjao ;)

    www.meacheemroma.blogspot.com

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  7. Oi Cris.

    Estou estudando francês e sei que preciso me dedicar mais. Quanto ao italiano: está totalmente enferrujado.

    Bjs.
    Elvira

    http://evipensieri.wordpress.com/

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  8. Oi, Cris, tudo bem?
    Acessei seu blog hoje pelo Chata, vivo em Santiago e me espanto muito com a forma de vestir dos jornalistas daqui. Outro dia fiquei chocada com a "moça do tempo" que estava com uma ragatinha tipo segunda pele, jeans e umbigo de fora, te juro! Não estava exatamente vulgar pq ela era magérrima, mas nada a ver, né!? Realmente acredito que acostumamos mesmo com o "padrão globo".
    Adorei o blog... um beijo!

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